terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

É preciso provar que houve aprendizagem, senão não vale!

Meus progressos não são suficientes para avançar na Academia Federal. Porque preciso estar presente, aprender não é o mais importante!

O curso é à distância feito para professores que não tiveram condições de fazê-lo em outra modalidade, mas há que se honrar a lei e ter 75% de frequência, num mesmo horario em que temos que estar lecionando.
Não há lei que ampare o professor que trabalha 60h a ter o direito de fazer a graduação à distância numa Universidade pública...
Hoje entendo o que sentem os jovens e os adultos que acabam desistindo da escola.
Fizemos muitas exigências, negligenciamos os tempos deles e seus espaços, não enxergamos sua realidade cultural e socio economica. Pra nós, bons são aqueles que correspondem às nossas expectativas enquanto profissionais da educação que tudo sabemos! E se o cara não grita ao mundo, não chora ou esperneia seus problemas aos quatro cantos, somos incapazes de entendê-lo, de enxergá-lo ou perceber suas possibilidades.
Hoje eu não sou só professora! Virei gente! E devo isso A UFRGS que me fez ver, da maneira mais dolorosa, como devo agir com aquele cara que aparentemente não está respondendo aos meus estímulos, até porque esses chamamentos talvez não lhe cheguem aos olhos ou aos ouvidos.
As pessoas que atuam como professores na UFGRS fazem parte de um outro mundo, o mundo dos livros, das grandes teses e teorias. Poucos são os que conhecem (e se conheceram, será que lembram?) como é a vida real aqui fora no mundo plebeu!
Escrevem lindos livros e artigos e na hora de por em prática...
Nos cobram posturas que são incapazes de ter!
Durante toda uma vida sonhei com a Federal!
Em 2005 passei no vestibular para o curso regular de pedagogia, depois de 20 anos de expectativa, mas não tive o privilégio de cursar, pois na UFGRS só entra quem não precisa desesperadamente trabalhar. Quem, como eu, tem família pra sustentar terá que pagar um curso de graduação.
Mas em 2007 uma nova oportunidade me foi dada! E eu honrei a chance. Fui lá e passei no vestibular, mesmo já tendo vínculo no mesmo curso ( me foi negado o direito de transferência de modalidade).
Agora, depois de vários tropeços, caídas, avanços, deslizes e progressos chego perto do fim.
Mas sinto que não terei condições de continuar.
Exigem de nós um tempo que não temos! E não sou só eu que reclamo! Pra Federal o importante é o status, o nome!
Fico imaginando que tipo de exigências nos serão feitas no estágio curricular. A nós que já somos professoras a tanto tempo!
Acho que esquecem que não somos garotinhas com todo o tempo do mundo pra faculdade e com famílias dando suporte financeiro. E não venham me dizer que não é bem assim, porque sei como é o regular! Tenho uma filha lá! Que sofreu um bocado pra dar conta do estágio, emagreceu 5kg, passou várias noites sem dormir, comeu mal, deixou de viver por 4 meses!
Fico imaginando como eu estarei no final da jornada...
Levanto normalmente 5:30 da manhã. Viajo cerca de 40km pra chegar na primeira escola. Dou aula toda a manhã. Saio de lá, viajo mais 5km pra chegar na segunda escola. Almoço o que sobra dos alunos, porque não tenho grana pra almoçar num restaurante! E de cansaço, acabo dormindo ao tentar ler a imensidão de textos que nos mandam... Passo a tarde toda em sala de aula. Saio de lá 17:30 e tenho exatamente 1h para percorrer mais de 50km. Pensam que é o retorno à casa, à família? Não!
Vou pra outra escola, entro em sala de aula e atendo outros alunos (agora jovens e adultos) por mais 4h. Mas ainda não acabou a jornada diária! chego em casa por volta das 23h. Aí tomo banho, verifico se sobrou algum filho acordado pra eu dar boa noite, vejo se a marmita do mais velho foi arrumada (porque se não foi terei de fazê-lo). Por volta das 0:30h sento à frente do computador e se não durmo ali mesmo, sentada, tento ler e-mails e ver o que mais há pra fazer. Nunca durmo antes da 1h da manhã.
Como vou dar conta dessa rotina de trabalho e mais um estágio e todas as exigências que com ele virão?
Se reclamo do muito que há pra ler e da complexidade das atividades tenho como respostas: tens que escalonar prioridades. A Universidade está certa em sua postura, tu é que tem a vida muita cheia de coisas... terás que abrir mão de alguma coisa. Se não me queixo e mesmo assim não dou conta de tudo, sou reprovada, sem direito à recuperação com a alegação de que tive faltas além do limite estabelecido e que não fiz os trabalhos. Pior ainda: também não sou comunicada dessa decisão e passo todo um mês dedicado à recuperação envolvida com atividades que pra fim de avaliação de nada valem, porque tu já rodou e ninguém pode te dizer isso em tempo de evitar essa gastura toda!
Quando chega o final de semana é aula sábado pela manhã (trabalhei TODOS os sábados do segundo semestre por causa de uma maldita gripe)> chego em casa, no sábado, por volta das 14h e não raramente caio morta no sofá, na maioria da vezes sem comer, tamanho é o cansaço. Quando finalmente acordo, além das aulas para preparar para 6 turmas, tenho ainda os textos e trabalhos da faculdade pra fazer. Claro que isso não é nada! No início de cada semestre tudo é festa, mas no final, com as avaliações dos alunos e um milhão de prazos pra cumprir no trabalho, a academia acaba ficando pra trás, porque, infelizmente meu findi só tem 48h, das quais muitas acabam sendo utilizadas para dormir, porque o corpo não aguenta tanto esforço...
Vocês irão dizer que tem pessoas em pior situação. Há flagelados no mundo, gente que não tem o que comer, com problemas e dificuldades que transformam a minha num grão de areia. Mas se é assim, porque preciso ser esmagada pela universidade? Por que terei que receber o canudo tão esperado, sem condições de usufruir do seu significado com saúde e lucidez?
Eu passei no concurso público mais concorrido da minha área recentemente. Eu alfabetizo pelo crianças e adultos a mais de 12 anos, sempre com percentuais altíssimos de aprovação e de efetiva aprendizagem. Sei que tenho conhecimento sobre o assunto. Já estudava-o mesmo antes da UFRGS. Mas agora preciso provar que sei e aplicar o que sei dentro dos padrões exigidos pela universidade. O que a LDB traz como avanço na avaliação só é usado em relação a nós quando justifica a atitude do professor na reprovação. Queria ver se fosse como no município de POA que para reprovar temos que provar que o aluno não tem condições de continuar, como fariam para provar que eu não tenho condições de dar conta do que foi estudado na interdsciplina...
Não trago em meu corpo nenhuma marca, não me falta movimento em nenhum membro, enxergo, escuto, sou "normal", mas fui uma excluída social por toda uma vida, por que nasci mulher e pobre e depois separada e pobre. O acesso e a permanência me foram negados por muito tempo. E agora mesmo tendo acessado, sinto que minha permanência está cada vez mais difícil em virtude dos enormes obstáculos que a vida e a Academia têm colocado no meu caminho.
Eu sei que essa postagem será muito mal vista pelos professores. Serei taxada de reclamona, vão achar que quero arrancar a aprovação na cadeira que rodei.
Pensem o que pensar, o que sei, é que aprendei a ser melhor professora a partir desse episódio.
A partir daqui terei mais cuidado ao avaliar e tirar conclusões a respeito dos meus alunos aparentemente negligentes!
Vou arcar com todas as consequências do que escrevo e digo!
O blog é pra isso! Registrar nossa trajetória, aprendizagens, progressos, dificuldades...
O que escrevo aqui é o que sinto agora!
Pode ser que mude, um dia. Mas nesse momento é assim que sinto!